terça-feira, 9 de dezembro de 2014

histórias da mitologia: vampiros (part.II)


Talvez não exista elemento mais perturbador da existência humana do que a perspectiva do seu inexorável fim. De que forma o fim da vida pode ser entendido? Como pesquisas arqueológicas mostram por meio de evidências de práticas mortuárias em cavernas, esta questão vem assombrando o homem desde a Idade da Pedra,há cerca de 30 mil anos. Esta certeza imutável levou o ser humano a desenvolver rituais que se centravam no cadáver,pois ele é o símbolo supremo da morte.Em seu silêncio e decadência,ele incorpora as mudanças radicais trazidas pela moralidade ao mesmo tempo em que aterroriza os vivos pela presença sobrenatural da morte.
Na sociedade de hoje,todavia,a morte se tornou algo embaraçoso e impessoal.O cadáver é despachado para os locais de sepultamento de forma furtiva e apressada.Para as camadas populares de épocas passadas,no entanto,a morte era uma realidade a ser ritualizada dentro do círculo familiar e social do falecido.Por esta razão todo o cuidado era reservado aos mortos dentro do seu círculo familiar para evitar o seu retorno.Mas por que (ou por quem) o morto retornaria? 
O homem simples de tempos passados considerava o mundo sobrenatural uma realidade tão crível quanto os fenômenos da natureza. 

Decorre daí sua crença de que laços de relacionamento pessoal e social ou ressentimentos entre o morto e os vivos poderiam permanecer,fazendo com que o morto retornasse para levar os vivos consigo para o Além. Era preciso,portanto,evitar o seu retorno.Para tal,vários procedimentos de origem pagã eram tomados em relação ao corpo para garantir uma passagem tranquila da alma para o outro mundo.Um exemplo disso estava relacionado aos gatos. Historicamente associados ao sobrenatural,esses animais deveriam ser banidos de uma casa onde um velório estivesse sendo realizado porque,caso passassem por cima do corpo,a alma ficaria condenada ao exílio na terra.
Do mesmo modo,uma mulher menstruada não poderia tocar em um cadáver dado o seu estado impuro.Espelhos e receptáculos com água deveria ser cobertos para não refletirem o cadáver e,assim,capturarem a sua alma. Essa prática não fazia parte do folclore do leste europeu sobre vampiros e nas primeiras produções literárias sobre o tema nada em particular a respeito dos espelhos foi mencionado.

Foi Drácula que introduziu a ideia de que os vampiros não possuíam reflexos,pelo fato de que eles não possuíam uma alma para ser mostrada.Mais recentemente,os escritores têm abandonado essa convenção,bem como criado outras,num esforço contínuo para adequar e adaptar a imagem do vampiro à sociedade contemporânea.
Além do descuido com o morto,outras situações poderiam levar uma pessoa a retornar como espírito ou morto-vivo. Neste caso,percebe-se a clara influência da ideologia cristã sobre o folclore das regiões por dominada.Vítimas de morte violenta, suicidas,criminosos,assassinos,excomungados,pessoas malignas ou filhos ilegítimos eram os principais candidatos a retornarem para se vingar dos vivos ou para concluir assuntos inacabados junto a seus familiares. Como ponto em comum entre eles estão o desvio e a subversão às normas sociais da comunidade e ao ciclo natural da vida,o que seria um motivador para a ocorrência do sobrenatural. Nesta leitura,as narrativas de espíritos e criaturas que voltam do mundo dos mortos para assombrar os vivos exerciam a função primordial de advertência às leis do grupo social. Em Varney o vampiro (1847),de James Malcolm Rymer,por exemplo,o vampiro Francis Varney assumiu sua condição vampírica após ter matado,ainda que acidentalmente,o próprio filho.

A questão da violação às leis de um grupo ou de um processo natural,nesse caso relacionado às complicações de parto natural e à morte de recém-nascidos,também estão por trás dos primeiros relatos sobre os vampiros. Lilith e Lamia são vampiras,respectivamente,do folclore judaico e da mitologia grega que têm em comum o fato de,em vida,terem sido mães que perderam a sua prole por ter contrariado o divino. Como resultado desta ação as duas se transformaram em criaturas vampíricas que juraram se vingar da humanidade sugando o sangue de crianças ou matando mães em trabalho de parto. Elas também se metamorfoseavam em belas mulheres para seduzir os homens e,em seguida tirar-lhes a vida. As narrativas destas criaturas encontam semelhança em outras vampiras folclóricas com a Strix (roma antiga) e a Langsuyar (Malásia). Uma representação literária dessa vampira esta no conto "A morte amorosa" (1836), de Théophile Gautier onde um atraente morto-vivo do sexo feminino retorna para vampirizar um homem.

De forma a evitar o retorno do morto em decorrência de um descuido com os rituais funerários ou de uma violação às leis sociais,o folclore de cada região estipulava procedimentos a serem seguidos.No caso do leste europeu,esses procedimentos migraram do universo folclórico para o literário tornando-se também convenções da literatura do vampiros. Dentre essas convenções,destacam-se o uso do alho para afugentar o vampiro e da estaca para eliminar essa criatura.
Desde a Antiguidade o alho é utilizado como um poderoso remédio para afastar espíritos maléficos em geral e enfermidades, Nos países da Eslávia do Sul (Iugoslávia),por exemplo,ele era empregado não apenas como profilaxia,mas também como modo de se detectar um vampiro.
Foi Bram Stoker quem introduziu o alho na literatura de vampiros por meio de Drácula como um utensílio eficaz contra vampiros. Na verdade,o uso do alho está relacionado ao forte cheiro emitido pela planta,o que ajudava a encobrir o odor de putrefação do cadáver  enquanto as práticas funerárias eram realizadas. Com o tempo,o seu poder passou a ser vinculado como meio de evitar a presença do sobrenatural.
Já o uso da estaca contra vampiros remete a uma época anterior ao uso de caixões. Ao contrário do que o cinema popularizou em relação a este elemento,a utilização da estaca tinha como objetivo primordial fixar o corpo do possível candidato a vampiro no chão,dificultando assim que ele escapasse do túmulo.
Esse objeto era enfiado principalmente na região do estômago pela facilidade de penetração,ao contrário do coração,cujo acesso era dificultado pela caixa torácica.
Após a popularização dos caixões,as estacas passaram a ser um dos métodos para se eliminar um vampiro,ao lado da prática da decapitação e da cremação do corpo.Irônica e paradoxalmente,segundo a teoria corrente atualmente postulada pelo historiador cultural Paul Barber em seu livro Vampires,Burial and Death, a estaca contribuiu para a criação do mito dos vampiro,pois ao se introduzir estacas nos corpos suspeitos de vampirismo os gases presentes no interior do corpo decorrentes da putrefação eram pressionados e,ao passarem pela traqueia,geravam um som semelhante a um gemido,prova inconteste da condição vampírica do cadáver. 

Na literatura, a novela Carmilla (1872), de Sheridan Le Fanu foi a obra que introduziu o uso deste objeto contra os seres da noite.
Além das crenças relacionadas ao destino dos mortos,outro fator que ocupa posição central na elaboração do mito do vampiro é o simbolismo do sangue.


Um comentário:

  1. Estou simplesmente apaixonada pelo teu blog!
    Os assuntos são super interessantes, como esse sobre os vampiros! ♥

    Passando pra conhecer! ♥
    universoasfixia.blogspot.com.br

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